5 – “República de São Bernardo”
A campanha salarial de 1980 dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo enfrentaria o envolvimento do 2º Exército em suas reinvindicações. A pauta principal era a seguinte: 40 horas semanais de trabalho; representação sindical por empresa; 15% de aumento real do salário e garantia de emprego. O chefe do Estado-Maior do Exército, Ernani Ayrosa deslocou-se até São Paulo para monitorar o movimento. A repressão começou na madrugada de 19 de abril com a prisão do líder sindical Luiz Inácio da Silva. Outros quinze líderes sindicais também foram presos além de cinco deputados estaduais, advogados, ativistas dos Direitos Humanos e ativistas políticos. Com o intuito de criar um clima de Estado de Sítio e justificar a violência da ocupação, foram proibidas reuniões e manifestações em locais públicos. Enquanto isso, caminhões, soldados e viaturas do 2º Exército se instalavam na região do ABC. Calcula-se que um milhão de pessoas estava direta ou indiretamente envolvidas na campanha salarial de 1980.
As assembleias dos trabalhadores eram realizadas na Igreja Matriz, enquanto isso, helicópteros militares sobrevoavam a região. No dia 1º de maio de 1980, após a missa na Igreja Matriz, uma gigantesca multidão caminhou em direção ao Estádio de Vila Euclides, que ficaria completamente lotado. Mas, a essa altura dos acontecimentos, o aparato militar já deixara a cidade. Em São Bernardo ficaram os trabalhadores e outros adversários do regime. A greve terminaria dez dias depois, pela exaustão econômica dos trabalhadores. Luiz Inácio da Silva seria libertado em seguida. O Partido dos Trabalhadores – fundado em 10 de fevereiro de 1980 – seria protagonista da Campanha das Diretas.
Fim do Regime Militar – A campanha por eleições diretas, entre 27 de novembro de 1983 e 16 de abril de 1984, promoveu mobilizações inéditas Contudo, ela não surgiu em um passe de mágica. O impulso original foi a “República de São Bernardo”. De fato, as lideranças políticas da Campanha das Diretas surgiram em sua maioria das mobilizações do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. O primeiro evento de grande repercussão aconteceu na praça em frente ao Estádio do Pacaembu em 27 de novembro de 1983 envolvendo cerca de 70 entidades de trabalhadores e partidos políticos.
A Emenda Dante de Oliveira foi votada em 25 de abril de 1984, mas, a eleição pelo voto direto foi derrotada. O presidente da República seria escolhido de forma indireta em 15 de janeiro de 1985. A VI República surgiria com a Constituição de 5 de outubro de 1988. A primeira eleição para presidente – após a ditadura de 1964 – seria em 15 de novembro de 1989.
6 – A Invasão da VI República
Após a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988, o controle ideológico voltaria à imprensa brasileira; contudo, não mais pela censura da ditadura policial-militar mas, pela herança de redações habituadas a assediar a opinião pública desde os anos 40 do século passado. De qualquer modo, dado a longa tradição autoritária para resolver questões sociais, não é difícil de concluir que a convivência com os censores oficiais ajudou as chefias a aperfeiçoar o know-how do controle ideológico das redações.
De fato, sabe-se que na chamada grande imprensa: tão importante quanto notícias publicadas são aquelas não publicadas. Tudo depende dos protagonistas. A redação segue critérios pré-determinados e estratégicos de noticiários da mídia eletrônica. Idem na diagramação de jornais e revistas impressas. Isso demanda profissionais recrutados porque conhecem a linha editorial da casa, quais assuntos o patrão quer ver publicados e quais devem ficar em segundo plano, ou serem omitidos.
O Truque das Privatizações – A maneira mais eficiente de assediar a opinião pública não é necessariamente através do noticiário tendencioso, ou por editoriais encomendados. Através do silêncio sobre questões embaraçosas para os aliados políticos, a imprensa consegue manipular a opinião pública. O caso emblemático foi o livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury R. Júnior, publicado em 2011. No livro, o autor desvendou o modus operandi da remessa ilícita de dinheiro para o exterior, fruto de propinas arrecadadas com a alienação do patrimônio público.
A chamada privatização não tinha o objetivo de melhorar o serviço público. Se esse fosse o caso, teria estimulado a competição de empresas privadas inovadoras – de telefonia ou energia elétrica – com as empresas do Estado, que sempre foram rentáveis, além de serem nichos de desenvolvimento de tecnologia nacional.
Um Linchamento Moral – José Dirceu de Oliveira e Silva encontrava-se no XXX Congresso da UNE em Ibiúna (1968) quando foi preso junto com outros dirigentes estudantis. Em setembro de 1969, junto com outros dirigentes foi trocado pelo embaixador norte-americano C. B. Elbrick. Em seguida, seguiu para o México e foi exilado em Cuba. Após o primeiro retorno ao Brasil em 1971, Dirceu permaneceu clandestino devido a repressão política até ser eleito deputado estadual pelo PT (SP) em 1986. Porém, ele não escaparia da mídia que o odiava pela altivez e por ter se evadido da ditadura a qual ela servira. Então, houve a vingança; o linchamento moral midiático induzido pela artimanha chamada mensalão.
O “mensalão” revelou-se escândalo para manchar a reputação do Partido dos Trabalhadores. Insuflado por certa imprensa e TVs, o STF cedeu ao circo midiático para saciar a ânsia por vingança da turba manipulada. Valendo-se de testemunhas arroladas na ocasião, o tribunal formou ad hoc as evidências da acusação, mas, pelo que foi constatado, o único delito de Dirceu foi ter sido o funcionário mais graduado da burocracia na qual um dolo ao Estado teria sido cometido. Mas, devido à inexistência de provas baseadas em fatos reais, recorreu-se a insinuações de editoriais encomendados. Dirceu precisava ser condenado, pouco importava como isso seria feito. Entretanto, o crime de fato foi a farsa da sua condenação. Já os acusadores: Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Rede Globo, revista Veja e outros que criaram a narrativa, ficaram impunes, enxovalhando a linguagem da política brasileira, que culminaria com o golpe de 17 de abril de 2016 para usurpar o poder da presidenta Dilma Rousseff.
A Segunda Invasão Silenciosa – No século XIX, a América Latina havia sido dominada pelo capitalismo financeiro europeu, já no século XX o assedio passou a ser liderado pelos norte-americanos através de cargos em órgãos como Banco Mundial e FMI. Assim, o novo Império passou a explorar as economias da América Latina sem recorrer à ocupação dos territórios.